27 de fevereiro de 2010

Portas

O corredor estava  escuro. Augusto caminhava em direção à única porta que se podia ver. Uma luz no fim do túnel, pensou. Ele andava, andava...mas teve a impressão de que quanto mais andava mais a porta se distanciava. Depois de um certo tempo, como num passe de mágica, um porta surgiu à sua esquerda. Tentou olhar pelo buraco na fechadura, mas percebeu que também estava escuro. Não hesitou, levou a mão à maçaneta e a girou. A porta abriu, ecoando um ruído ensurdecedor.

- Eu entro nessa ou naquela? - perguntou para si mesmo.
Não demorou para ele chegar à conclusão que, talvez, a outra porta não era para ser alcançada, mas estava lá apenas para comprovar que não se deve caminhar para o desconhecido. Também não demorou para ele perceber que desconhecia o interior do que havia atrás da única porta que abrira ao seu lado, mas concluiu que não tinha nada a perder. Entrou. No primeiro instante, ficou confuso.
- Minha casa?!- Ficou feliz, imensamente feliz. Percorreu o interior da sua casa como se fosse a primeira vez. Sua única irmã e seus dois irmãos estavam almoçando, diante de uma mesa grande e farta. Aproximou-se da mesa e puxou uma cadeira que, em matéria de qualidade e cor, destoava de todo o resto. Não sentiu fome e, pelo que pode perceber, não era o único, os seus irmãos brincavam com a comida, mas nenhum deles estava alimentando de fato. Estão tristes, pensou.
- Por que estão tão tristes? O que aconteceu? - perguntou, mas ninguém lhe dava ouvidos. Por um momento, seu irmão mais velho olhou em sua direção, com uma expressão triste e vaga, mas não disse uma única palavra. Ficou confuso. Seja o que for que tivesse acontecido, ele tinha que saber. Levantou e seguiu em direção à escada, que dava acesso ao segundo andar.
Portas, muitas portas. Caminhou em direção a porta do seu quarto. Ao entrar, viu sua filha, de cinco anos, deitada em sua cama, ela estava triste, soluçava, choramingava o nome do pai.
Correu e a abraçou, acariciou os seus longos cabelos , e, embora não soubesse o motivo, consolou-a. Ela adormeceu. Ele saiu do quarto. Decidiu que tinha saber, e rápido, pois tudo estava muito confuso. Antes de alcançar a escada, um enorme retrato, pintado em preto e branco, olhava em sua direção. Aproximou-se e então tudo ficou claro. Ao ler o rodapé da foto dos seus pais, percebeu o motivo da tristeza de todos.
- Cinco anos! Parece que vocês estavam comigo ontem, me acariciando, me dando conselhos, brigando comigo, me amando, e agora já faz cinco anos que vocês partiram - falou, com a voz triste.
Foi de encontro ao seu irmãos. Decidiu que tinha que encorajá-los. Ao chegar na cozinha, olhou para o rosto de todos, respirou e começou a discursar.
Alguns minutos depois, percebeu que suas palavras não surtiram o menor efeito. Eu tentei...
Resolveu fazer algo que tinha certeza que todos já tinham feito: visitar o túmulo dos pais.
Augusto quis comprar algumas flores, mas concluiu que, ou ele tinha esquecido o dinheiro em casa, ou perdera, durante o longo trajeto no corredor escuro, pois o bolso esquerdo estava rasgado.
- Minha presença é mais significativa que meras flores.

O cemitério estava deserto, o único som que se podia escutar era o alegre assobio do coveiro, que o fazia espontaneamente, enquanto cavava mais um túmulo.
Ao chegar no túmulo dos pais, se espantou com a quantidade de flores e coroas que estavam depositados sobre a lápide. Que exagero!
- Bem pai, mãe, eu não trouxe flores, mas sim o meu eterno amor e agradecimento por tudo que vocês fizeram por mim. A Angélica tem os cabelos iguais aos seus, mãe, mas os olhos e o nariz dela são todos seus, pai. Vocês fazem tanta falta. Como eu queria ter a certeza de que vocês estão me escutando.
- Nós sempre escutamos você, filho - era a voz de duas pessoas, em coro.
Augusto piscou, mas a imagem dos seus pais não despareceu como previra.
- Isso é um sonho?
- Você pode chamar do que quiser: sonho, loucura, imaginação fértil...o fato é que sempre escutamos você, os seus irmãos e a nossa linda netinha - disse a mãe, suavemente.
Tudo ficou mais confuso ainda. Augusto, por um momento, pensou estar tendo uma alucinação. Respirou fundo e olhou para o túmulo coberto de flores.
- Posso?
- Claro que sim, ele é todo seu.
Afastou algumas flores da margem do túmulo e sentou.
Ninguém falou mais nada. Augusto contentava em ficar apenas admirando a imagem dos pais
- Parece tão real...
E despertou. Tinha adormecido sobre o túmulo dos pais.
- Que sonho lindo! Tenho que contar aos meus irmãos. Levantou-se e, ao perceber que as flores estavam no exato lugar que colocara no seu ''sonho'', estranhou. Decidiu arrumá-las.
De tudo que tinha acontecido neste dia, nada lhe chamou mais atenção do que as letras de pedras encrustadas na lápide. Não tinha percebido, pois as flores ocupavam quase toda superfície. Ao ler o que estava escrito, tudo ficou claro. Lembrou-se do corredor escuro, da tristeza dos irmãos, do choro da filha, da falta de atenção que não estavam lhe dando e do bolso esquerdo rasgado. Não era um rasgo comum. Era uma marca.
Ao fixar os olhos seguidamente nas letrinhas, leu o próprio nome, indicando que ele tinha morrido no dia anterior. Foi aí que tudo mudou. Estava de volta ao corredor escuro, dessa vez, não estava sozinho: os seus pais o acompanhava. Daí em diante, os três rumaram em direção à unica porta que se podia ver. Augusto caminhava, caminhava e caminhava, sem ter a certeza de que um dia alcançaria o desconhecido que havia por detrás daquela porta.



Foto: Google Imagens.

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