20 de fevereiro de 2010

O Erro

      
     Simas Fonseca de Araújo Batista, para os íntimos, Dr. Simão ou Mão de Ferro, era o delegado de uma importante cidade do nordeste brasileiro, Recife. Era víuvo e tinha apenas um filho, Carlos. Dr. Simão era um homem extremamente estressado, o barulho de uma agulha, caindo no chão, já era o suficiente para deixá-lo fora de si. Não obstante a isso, na sua função, era um profissional muito justo e experiente. Nos vinte anos em que ficou no cargo ( ele deixou o cargo após cometer o maior erro da sua vida. Erro este que, você, meu leitor, ficará sabendo do final deste texto), tinha obtido êxito em quase todas as suas investigações. Seu percentual de aproveitamento era superior a noventa por cento. 
     O Mão de Ferro era considerado uma das personalidades mais importantes do nordeste brasileiro, fama essa que ficou evidente, quando ele perseguira e trancafiara a maior quadrilha de juízes do Brasil, que era a operadora de uma organização, que já tinha vendido mais de vinte mil sentenças. Depois dessa triunfante investigação, Dr. Simão saira em todas as capas dos mais importantes jornais do país. O The New York Times o classificou como '' O MELHOR PROFISSIONAL DO MUNDO'' na aréa criminalística.
     Apesar de todo  reconhecimento, Simas não estava conseguindo manter o seu ritmo, pois, no mês de dezembro, do ano dois mil, uma quadrilha estava tirando o sossego da elite pernambucana. O renomado delegado, apesar de toda a sua investigação, que era, para muitos, tímida, simples, ineficaz...não estava obtendo sucesso. Durante  toda quinzena deste mês, a quadrilha havia invadindo cerca de  cem mansões, no complexo do Alvorada. A associação do bairro já começara a questionar a fama do então ''melhor profissional do mundo''.
     Segundo as investigações do delegado, a quadrilha sempre agira quando ele estava no horário de almoço ou quando ele não estava de plantão, durante os feriados, o que o levou a suspeitar  do seu colega noturno ( ele trabalhava no matutino), pois o horário redigido nos boletins de ocorrência não coincidiam com os relatados pelos moradores assaltados.
     Depois de várias críticas e cobranças, Simas elaborou um plano um tanto perigoso: decidiu trabalhar no Natal. Todos ficaram perplexos, pois um delegado do gabarito dele jamais daria plantão em uma data tão festiva, mas ele tinha os seus motivos...
O delegado adjunto logo tratou de deixar bem claro que não trabalharia nesta data. Era tudo o que Simas queria.
     O Natal chegara, e a cidade de Recife estava excepcionalmente linda. As árvores reluziam como estrelas, as ruas, as praças, os parques estavam ''pra lá'' de convidativos. As mansões do Alvorada transpareciam as riquezas dos seus donos. Esse seria o dia D para o Mão de Ferro. Tinha certeza que  a tal quadrilha agiria neste dia. Ele, em parte, estava certo.
     O dia já estava se findando, e nada do telefone tocar. Até aquele presente momento, nenhum morador do Alvorada ligara, pedindo algum tipo de socorro. Ao anoitecer, um anônimo, um tanto receoso, denunciara uma possível invasão no bairro mais nobre do Recife. Segundo ele, um jovem estava rodeando duas mansões no elítico bairro. Simas, por algum motivo, conhecia aquela voz, mas, devido ao efeito adrenalina, não conseguiu identificar o dono dela.
     Dr: Simão estava radiante, pois, neste dia, iria dar fim às críticas e às cobranças, enfim, provaria que nunca deixara de ser ''o melhor profissional do mundo''. Depois de anotar todas as informações dadas pelo anônimo, dera ordem para todas as patrulhas, que estavam naquela região, ir de encontro ao endereço informado e aguardar a sua chegada.
    Chegou bem na hora, o alarme de uma das mansões disparou, denunciando o intruso.
    -  Vou entrar, se alguém tentar fugir, mete bala nele, entenderam?
    - Pode ser uma quadrilha, chefe.
    - ENTENDERAM? - Vários cabeças sinalizaram um sim. Ele entrou, sorrateiramente. Percebeu que a mansão estava deserta, os donos, provavelmente, estavam viajando. Começou a procurar pelo  jardim, como percebera, era enorme. A estufa seria um perfeito esconderijo. Um cerco desorganizado seria o suficiente para uma tentativa de fuga triunfante. Não! Não  daria créditos a ideias pessimistas, aquele seria o seu dia, e nada poderia atrapalhar
     Vários minutos se passaram, e ele ainda não tinha percorrido nem a terça metade do terreno da casa. Não precisaria. Ao adentrar, através da janela mais baixa, que era a do escritório, sua busca acabara de findar. Ali, diante dele, estava o invasor, revirando as gavetas do dono da mansão.
   - Perdeu! Vire. Qualquer movimento irregular e eu estouro os seus miolos. O ladrão obedeceu. Não portava nenhuma arma, não tinha nenhuma tatuagem, não usava brincos ( segundo o delegado, essas características eram comum a todos os assaltantes ). Não, algo estava errado. Não podia ser. Estava tendo um ilusão. Piscou. Como percebera, não era uma ilusão. Ali, prostado, com os olhos lacrimejantes, estava o seu único filho. Como poderia explicar para os outros que o delegado mais competente do Estado tinha um filho assaltante. Como?
     O silêncio era ensurdecedor, nenhum dois dissera qualquer palavra. O filho não acreditava que tinha sido pego. O pai não acredtiva que perseguira o  próprio filho.
    - Por quê? Para quê? Drogas? - Carlos balançou a cabeça, confirmando.
    - Saia daqui. Fuja! AGORA! Antes que eu faça uma besteira. Suma! Esqueça que tem uma família.
    - Pai...
    - Não me chame de pai. Saia da minha frente. O filho obedeceu.
    - Antes, me diga, qual é a sua relação com o delegado adjunto?
    - Ele me cobra para manter sigilo. Ele sempre soube.
    - Então, quero apenas te dizer que foi ele quem te denunciou.
    - Mas, não pode ser. Eu..
    - Suma!
       O filho virou, começou a correr em direção à porta.  Simas só chorava. Ajoelhou-se diante do nada, e começou a repensar a sua vida. Nada fez sentido naquele momento. De que adiantava  o seu ise não sabia cuidar  da  própria casa. Como pode ser enganado  pelo próprio filho, como? Concluiu que sempre estivera ausente, pensando apenas na sua glória, enquanto o seu filho vagueava pelo mundo do vício. TIROS!              
      Levantou-se bruscamente. Percebeu o grande erro da sua vida. Correu. Gritou. Era tarde de mais... Ao chegar na entrada da casa, no portão principal, seu filho estava caído, com o corpo coberto de sangue - Pegamos ele, chefe! - falou um dos policiais.
    - Não! Meu filho! Não! - o desespero tomou conta do prestigiado delegado. Ninguém havia percebido.Todos ficaram perplexos. Simas chorava desesperadamente.
   - Quem atirou? Quem?
   - Chefe, a sua ordem..
   - QUEM ATIROU?
   - Eu, chefe - disse um policial franzino, com uma voz extremamente abalada. Simas pegou a arma da mão dele, e disse: nunca, mas nunca coloque a sua carreira em primeiro lugar.
E um barulho de tiro ecoou naquele lugar.
     Ali, prostado no chão, com uma bala encravada em algum lugar da cabeça, estava '' o melhor profissional do mundo''.

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