22 de março de 2010

A Cabana

O sol estava escaldante, Mariana não tinha mais aquela certeza inicial de que conseguiria atravessar o deserto. Desde que foi deixada pelos nômades, na noite anterior,  à deriva do vento noturno imperiante no deserto , tinha enfrentado vários inimigos, como redemoinhos de areia, queimaduras na pele, delírios, miragens e até uma mordida de uma cobra que, impiedosamente, cravou-lhe as presas na sua perna esquerda. Devido a esse momento, a solitária concluiu que algum hormônio do seu corpo bloqueara uma  ação mais intensiva do veneno da cobra, pois a perna tinha perdido a sensibilidade. Era como se ela sentisse a perna quando mais precisava dela e não a sentisse quando estava andando, pois criara a ilusão que a dormência tinha diminuído o peso do seu corpo. Não sabia como estava conseguindo andar.
Estava em uma caravana proveniente do interior da Arábia Saudita, que estava rumando para a capital. Tudo estava indo muito bem, até ela acordar e perceber que fora deixada para trás, com uma mísera lona rasgada e uma singela garrafa d'água.
Mariana estava peregrinando há mais de duas semanas, isso representava quase 90% do percurso programado. Depois de alguns cálculos mentais, concluiu que não estava longe do seu destino. Decidiu, como se tivesse outra alternativa, em continuar a caminhada. Primeiro, pensou em seguir as pegadas dos camelos, mas, depois de algumas tempestades de areia, percebeu que isso era impossível.
Seria guiada pelo sol, pois crescera ouvindo  que ele descia na velha capital árabe.
Horas depois, teve a impresão de que não tinha nem saído no lugar.

Mariana suava muito, não poderia continuar a perder tanta água. Quando deu vontade de urinar, improvisou uma posição, em que o líquido voava diretamente para a sua boca - Sim, isso é nojento - .
Sua perna esquerda começou a protestar, sua visão começou a dar sinais de falência, sua pele gritava em silêncio e sua respiração parecia não alcançar o ar externo.
Desmaiou.
Horas mais tarde, acordou em uma cabana de palha próximo a um rio. Não sabia onde estava. Tudo estava confuso. Levantou-se e avaliou o seu redor. O odor do ambiente meslcava entre banana e carne putrificada.
Um senhor muito simpático aproximou-se e apontou para a perna dela. Mariana não tinha percebido, mas sua perna estava coberta por um visgo que, milagrosamente, lhe devolvera a sensibilidade da perna. O local da picada da cobra também estava melhor. Também percebera que toda a sua pele estava coberta por uma espécie de argila vermelho-laranjada.

O senhor não falava o idioma dela, mas era perito em mímica. O velho a ofereceu comida, água e doces. Com um simples gesto, Mariana entendeu que ele estava supreso com a sua magreza.

Durante vários dias,  ficou aos cuidados do velho, que era amável e atencioso, além de sempre  se mostrar preocupado com a perna dela , pois o visgo era trocado diariamente. Sua pele também recebeu atenção, embora Mariana tentava convencê-lo de que ele não precisava mais se preocupar com ela, pois tivera impressão de que o velho estava tentando clarear a sua pele além do tom nomal.

Numa bela noite, Mariana decidiu que partiria no dia seguinte. O velho ficou triste. Cabisbaixo.
Ela o acariciou e tentou demonstrar agradecimento. À primeira vista, obteve sucesso, tanto  que o senhor acendera um imensa fogueira, que tinha deixado a morena irradiante. Os dois beberam muito, na verdade, ela bebeu mais que ele. Também tinha muita banana sendo assada.

Então, quando Mariana levantou para pegar mais bananas, sentiu algo forte e pesado bater na sua cabeça, rodopiou a tempo de ver o velho com uma imensa pedra ensaguentada na mão. Riu e sucumbiu ao chão.
Pouco tempo depois, o velho estava se deliciando com um perna assada e com alguns pedaços de torresmos negros.

- Eu sabia que a bebida daria um toque especial nessa comida.




P.S:

-Imagem obtida no site acre-pousadas.com.br
-Texto baseado no livro '' Atrás do Paraíso'', de Ivan Jaf.

10 de março de 2010

Fama

Priscila sempre foi taxada como uma jovem muito sonhadora. Aos desesseis anos, conseguira a permissão da sua mãe para o que seria o seu futuro promissor: uma carreira de modelo em Paris. Sua mãe, embora receosa, depois de conversar particularmente com o agente da filha, deu-lhe a permissão para viajar.
Priscila tinha olhos castanhos esverdeados, que pareciam penetrar na alma de quem os fitassem. Seus cabelos eram de um tom negro, tendendo para o vermelho. Sua boca era apenas a continuidade do seu estreito nariz. Sua pele morena brilhava como um chocolate amargo. O seu corpo era escultural, embora o seu tamanho costumava-lhe render penosos apelidos, como pau-de-sebo e girava ambulante.

A jovem sonhadora estava hospedada em um luxuoso hotel , com vista para a Torre Eiffel.
Nada estragaria aquele dia. Deixaria de ser uma menina suburbana, para se tornar umas das maiores modelos da história. Bem, esse era o sonho dela. Almejava uma fama inatingível - e ela iria conseguir.

Era um noite, de um úmido sábado primaveril, Priscila aguardava a chegada do seu empresário, provavelmente acompanhado de pessoas ligadas à mídia da beleza, pois, horas antes, tinha recebido um pacote, contendo um fino e micro vestido preto da Channel, que a fez se sentir na pele da Cindy Crawford, e um belo frasco de perfume da Dolce & Gabanna, que contribuiu ainda mais para elucidar o cheiro de sedução que irradiava do seu corpo.

A ansiedade de minutos antes foi substituída por uma receosa e desagradável sensação de perigo, pois a chegada do seu empresário não foi nada do que ela tinha imaginado. Ele  tinha chegado, acompanhado de um homem velho, que ela não soube discernir se era russo ou árabe. Os dois falavam em tom nada animador, na verdade, o velho emitia um sons que ela podia jurar que já tinha ouvido. O estranho gesticulava mais do que falava.
Alguns minutos depois, seu empresário saiu, deixando-a  entregue à própria sorte, sozinha e com  o estranho velho no seu encalce.
Tinha caído em si. Lembrou-se dos conselhos da mãe. Não estava ali para ser modelo, não estava ali para uma sessão de fotos, não estava ali para uma entrevista.
Chorou...

O velho senhor aproximou-se dela, passou-lhe a mão nos lábios, dando umas leves palmadinhas na bochecha, depois, com um olhar, que ela julgou ser de descoberta, de cobiça, de luxúria, afastou-se da bela moça, e  sentou-se em uma  confortável poltrona à sua frente.
Priscila não dissera uma palavra. Apenas obedeceu aos seus extintos, afinal, o que poderia fazer?

...

Matar o velho, foi essa conclusão que ela chegara ao perceber que, apesar das suas fraquezas, aquele senhor, se fosse alvo de um golpe certeiro, jamais sairia vivo dali, pois, além de demonstrar uma aparência cancerígena, ele era manco.
Com algumas mímicas de improviso, ofereceu chá  frio ao estranho. Um gesto com a cabeça sinalizou um sim.
Pouco tempo depois, na verdade horas depois, Priscila decidiu que tinha que agir, não aguentaria mais ficar naquele sofá, olhando para o que seria o seu ''futuro promissor''. Não podia esperar mais.
Dirigiu-se à copa, procurou alguma arma pontiaguda, mas tudo que encontrou foi um pedaço de ferro, provavelmente esquecido por algum pedreiro, embaixo do tapete.
O senhor continuava calado.
Esperaria o momento certo. Ficaria atras da porta, que dava acesso à  copa, até o senhor sentir a  sua falta.
Não demorou. Impetuosamente, como quem parecia que tinha tomado uma importante decisão, o estranho levantou-se bruscamente e foi à procura da sonhadora.

Um golpe. Um gemido. Um pedido silencioso de misericórdia, mas a saúde do velho não era das melhores. O sangue inundou o tapete. Fixou o que seria o seu último olhar na bela moça, e foi-se.

Priscila tinha que fugir, mas não tinha dinheiro. Dirigiu-se até o velho, e lhe tomou a carteira. Tinha muito dinheiro ali, mas não foi isso que chamou a sua atenção. Uma foto velha, preta e branca, revelou a procedência daquele velho. Na foto, uma mulher esguia, que a jovem a reconheceu no primeiro olhar: a sua mãe, que estava de mão dadas com um belo rapaz, que Priscila tinha certeza que se tratava daquele velho senhor. Uma menina sorria alegremente nos braços do...pai.
Não poderia ser. Procurou o documento do velho, mas ele não a alviou. Procurou o seu documento, e então tudo ficou mais claro.
Tinha sonhado a vida inteira em reencontrar o pai e, quando teve o sonho realizado, o  matou sem chances dele gesticular, pois sua mãe já tinha falado da deficiência do seu pai: ele era surdo-mudo.
Já era tarde...

No outro dia , tudo o que ela conseguia lembrar era de um corpo ensanguentado caído no chão.
Via, sem saber o motivo, sua foto  na tv do pátio de um centro de recuperação psiquiátrica, sendo largamente exposta,  frente a uma matéria que dizia: Executivo da Channel morto pela própria filha.



P.S
Imagem retirada do site UOL.

1 de março de 2010

Domingo, no sofá, assistindo TV? Nem pensar.


     Eu não tenho costume de usar este blog para desabafar ou relatar algum tipo de experiência própria, mas vou deixar essa regrinha de lado durante alguns minutos, apenas para dizer o quanto me sinto deslocado, quando o assunto é programas de tv. Confesso que sou adepto dos real times¹ e sempre acompanho o ibope² das emissoras de tv aberta do Brasil. Também acompanho a dança das cadeiras dos atores, apresentadores e jornalistas. Sem mais delongas, o motivo de eu estar digitando essa mensagem é a falta de programação, digamos, adequada e válida para um final de semana.
A Globo, uma das maiores emissoras de tv do mundo, diz ter o ''Q de qualidade'', mas exibe algum filme do Eddie Murphy  trocentas vezes por ano. Ela teima em deixar no ar o cara mais sem graça da televisão brasileira, embora, por muitos, seja visto como o melhor humorista do país, pai das criancinhas  desamparadas, embaixador da Unicef e blá blá blá. Claro que, por motivos óbvios, não citarei o nome dele aqui. Outra coisa que me deixa um tanto nervoso, é o fato da poderosa Globo ter aderido o molde assistencialista das outras emisoras (quero deixar claro que ajudar é sempre bom, e credito quem faz isso, desde que não haja segundas e terceiras  intenções por trás desses favorzinhos). Desde o momento em que eu entendi alguma coisa sobre eleições, as minhas quizilas com a família, dona da Q de qualidade, só faz aumentar.
     E a TV MAIS  FELIZ DO BRASIL? Sim, é pra rir. A emissora perdeu o equivalente a oito redetv's em cinco anos³. Eu não consigo entender algumas atitudes de um dos maiores propagandistas do Brasil. Exibir pestinhas, cutucando o nervosismo dos pais, em plena noite de sábado é o fim da meada. Aquele Roda a Roda Jequiti é de uma estupidez sem tamanho. E o Show da Gente? O Netinho, dias desses, diz se sentir um sociólogo de atitude, pois não enxerga a sociedade com olhar acadêmico, e sim com o coração ( vergonha alheia).  E a Maisa? Ela cansa. Cozinharam o franguinho com tanto êxtase, que o caldo se esvaiu . E o Domingo Legal? Consegue realizar o sonho de tanta gente, mas não dá conta nem do seu. Eliana? Eu até gosto quando passa alguma curiosidade sobre os animais, mas o resto, é a cara da Eliana mesmo. Adooooooro! E lá vem ele de novo, às dezenove horas, de um domingo que era para ser animador:Roda a Roda Jequiti. Céus! O Programa Sílvio Santos é salvo pela simpatia e carisma do apresentador, mas os seus convidados... O próximo é o campeão da falta do bom senso: Pegadinhas Picantes (sim, eu já assisti), que de picante não tem nada. Se desse para pelos menos brigar de cinco ( entenda como quiser).
     A TV DE PRIMEIRA! A CAMINHO eterno da LIDERANÇA. Que a Rede Record se mostrou uma organização visionária, ninguém pode negar. É a atual vice-lider de audiência. Comprou alguns atores globais, adquiriu direitos de exibições de importantes acontecimentos mundiais, mas isso não a faz um tv de primeira. Eu vou tentar ser o menos parcial possível, pois antipatia que tenho pela Record é enorme. Aquele ''Você acredita em Deus'', ''Então Você Acredita em Milagres'' é quase um tenha fé em Deus, mas prove, doando o seu carro, sua casa e seu cheque para Jesus. Eu não sabia que Jesus tinha carteira de motorista, que Ele pagava IPTU ou que também era alvo das tributações bancárias. Se Ele pagasse IPTU, teria muitos motivos para se preocupar. Eu ainda espero ver o '' VISA, Aceito Aqui e Aonde Você For'' estampado na portaria da IURD. Gente, como uma emissora, que se diz a caminho da liderança, exibe PICAPAU inúmeras vezes por dia? Aquele Tudo é Possível faz jus ao nome, pois ele ainda consegue ser tão ridículo quanto um certa universitária expulsa, que, dias desses, estava no ''O Pior do Brasil'' à procura de um dote.
O Progama do Gugu é o retrato da  ganância da rede Record. Contratado por oito anos, por um quantia equivalente a trezentos milhões, Gugu faz a Record perder o bom índice de audiência, herdado do Domingo Espetacular em questões de segundos. Também pudera. Quem está interessado em comemorar a vitória de um cão corinthiano em plena noite de domingo? Quem está interessado em assistir ''Top 10 da Internet'', quando o número e internautas do Brasil é um dos mais cresce no mundo? Quem estar interessado em ''Sonhar mais um Sonho'', quando não estamos dando conta nem dos nossos?
     É triste ver que a programação dos canais de tv aberta do Brasil não tem nada de educativo, mas, se tivesse, poucos assistiriam. Não menciono a Band, RedeTV e Cia por que acho que elas são extensões destas mencionadas neste texto.
Eu, que sou um telespectador assíduo, estou concluindo que já está mais do que na hora de mudar os meus hábitos. A partir de hoje, tornar-me-ei um leitor fanático, tão fanático, que não terei mais tempo para perder, com as babaquices e asneiras que se saem das bocas das tais celebridades deste país.





PS: Sim, a montagem está horrível, também pudera. Eu a fiz no horário da aula de Ciências Sociais Aplicadas. Sorry.




¹ audiencia dos canais abertos, em grupo seleto de telespectadores, em tempo real.
² neste caso, ibope quer dizer audiência dos canais, embora a palavra em si remete  ao Insituto Ibope, empresa que atua no ramo de pesquisas.
³ informação retirada do PNT, Painel Nacional de Televisão.