10 de março de 2010

Fama

Priscila sempre foi taxada como uma jovem muito sonhadora. Aos desesseis anos, conseguira a permissão da sua mãe para o que seria o seu futuro promissor: uma carreira de modelo em Paris. Sua mãe, embora receosa, depois de conversar particularmente com o agente da filha, deu-lhe a permissão para viajar.
Priscila tinha olhos castanhos esverdeados, que pareciam penetrar na alma de quem os fitassem. Seus cabelos eram de um tom negro, tendendo para o vermelho. Sua boca era apenas a continuidade do seu estreito nariz. Sua pele morena brilhava como um chocolate amargo. O seu corpo era escultural, embora o seu tamanho costumava-lhe render penosos apelidos, como pau-de-sebo e girava ambulante.

A jovem sonhadora estava hospedada em um luxuoso hotel , com vista para a Torre Eiffel.
Nada estragaria aquele dia. Deixaria de ser uma menina suburbana, para se tornar umas das maiores modelos da história. Bem, esse era o sonho dela. Almejava uma fama inatingível - e ela iria conseguir.

Era um noite, de um úmido sábado primaveril, Priscila aguardava a chegada do seu empresário, provavelmente acompanhado de pessoas ligadas à mídia da beleza, pois, horas antes, tinha recebido um pacote, contendo um fino e micro vestido preto da Channel, que a fez se sentir na pele da Cindy Crawford, e um belo frasco de perfume da Dolce & Gabanna, que contribuiu ainda mais para elucidar o cheiro de sedução que irradiava do seu corpo.

A ansiedade de minutos antes foi substituída por uma receosa e desagradável sensação de perigo, pois a chegada do seu empresário não foi nada do que ela tinha imaginado. Ele  tinha chegado, acompanhado de um homem velho, que ela não soube discernir se era russo ou árabe. Os dois falavam em tom nada animador, na verdade, o velho emitia um sons que ela podia jurar que já tinha ouvido. O estranho gesticulava mais do que falava.
Alguns minutos depois, seu empresário saiu, deixando-a  entregue à própria sorte, sozinha e com  o estranho velho no seu encalce.
Tinha caído em si. Lembrou-se dos conselhos da mãe. Não estava ali para ser modelo, não estava ali para uma sessão de fotos, não estava ali para uma entrevista.
Chorou...

O velho senhor aproximou-se dela, passou-lhe a mão nos lábios, dando umas leves palmadinhas na bochecha, depois, com um olhar, que ela julgou ser de descoberta, de cobiça, de luxúria, afastou-se da bela moça, e  sentou-se em uma  confortável poltrona à sua frente.
Priscila não dissera uma palavra. Apenas obedeceu aos seus extintos, afinal, o que poderia fazer?

...

Matar o velho, foi essa conclusão que ela chegara ao perceber que, apesar das suas fraquezas, aquele senhor, se fosse alvo de um golpe certeiro, jamais sairia vivo dali, pois, além de demonstrar uma aparência cancerígena, ele era manco.
Com algumas mímicas de improviso, ofereceu chá  frio ao estranho. Um gesto com a cabeça sinalizou um sim.
Pouco tempo depois, na verdade horas depois, Priscila decidiu que tinha que agir, não aguentaria mais ficar naquele sofá, olhando para o que seria o seu ''futuro promissor''. Não podia esperar mais.
Dirigiu-se à copa, procurou alguma arma pontiaguda, mas tudo que encontrou foi um pedaço de ferro, provavelmente esquecido por algum pedreiro, embaixo do tapete.
O senhor continuava calado.
Esperaria o momento certo. Ficaria atras da porta, que dava acesso à  copa, até o senhor sentir a  sua falta.
Não demorou. Impetuosamente, como quem parecia que tinha tomado uma importante decisão, o estranho levantou-se bruscamente e foi à procura da sonhadora.

Um golpe. Um gemido. Um pedido silencioso de misericórdia, mas a saúde do velho não era das melhores. O sangue inundou o tapete. Fixou o que seria o seu último olhar na bela moça, e foi-se.

Priscila tinha que fugir, mas não tinha dinheiro. Dirigiu-se até o velho, e lhe tomou a carteira. Tinha muito dinheiro ali, mas não foi isso que chamou a sua atenção. Uma foto velha, preta e branca, revelou a procedência daquele velho. Na foto, uma mulher esguia, que a jovem a reconheceu no primeiro olhar: a sua mãe, que estava de mão dadas com um belo rapaz, que Priscila tinha certeza que se tratava daquele velho senhor. Uma menina sorria alegremente nos braços do...pai.
Não poderia ser. Procurou o documento do velho, mas ele não a alviou. Procurou o seu documento, e então tudo ficou mais claro.
Tinha sonhado a vida inteira em reencontrar o pai e, quando teve o sonho realizado, o  matou sem chances dele gesticular, pois sua mãe já tinha falado da deficiência do seu pai: ele era surdo-mudo.
Já era tarde...

No outro dia , tudo o que ela conseguia lembrar era de um corpo ensanguentado caído no chão.
Via, sem saber o motivo, sua foto  na tv do pátio de um centro de recuperação psiquiátrica, sendo largamente exposta,  frente a uma matéria que dizia: Executivo da Channel morto pela própria filha.



P.S
Imagem retirada do site UOL.

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