21 de abril de 2010

Olhos de Vidro

Eduardo estava sentado na grama à beira de uma lagoa. O ar parecia ser palpável, o canto das andorinhas lembrava-lhe os assobios dos seus avós, os peixes pareciam estar atuando em uma perfeita peça teatral, os casais ao  seu redor  sentiam os corpos uns dos outros, em amassos arrepiantes, mas ele estava só. Sempe só. Não tinha pai, não tinha mãe, primos, tios, irmãos e muito menos namorada.
Eduardo  tinha vinte e sete anos, pele morena, olhos negros como jaboticabas, boca extremamente carnuda, cabelos à rastafari, magro e era vendedor de jornal.
A vida de Eduardo era vista com muita pena pelos seus companheiros de trabalho, apesar dele nunca ter demonstrado algum momento de fraqueza. Pelo contrário, nos momentos de dificuldade, sempre manteve o alto astral. Nunca derramara uma lágrima por causa de qualquer problema.
Ultimamente, uma peça - como ele gostava de dizer - estava faltando no quebracabeça da sua vida: uma mulher. Queria se apaixonar perdidamente, ter filhos, amar...mas nenhuma  leitora, que parava na sua banca, chamava-lhe a atenção. Isso tinha que mudar.

Na volta do trabalho, em um dia qualquer de janeiro, decidiu se arrumar e sair à ''caça''. Parou em frente a uma vitrine de uma loja de roupas, a fim de comprar alguma peça que lhe caísse bem. Nenhuma lhe interessou. Entrou em várias outras lojas, mas acabou voltando para a primeira. Decidiu entrar e observar as peças.
Eduardo, definitivamente não era sinônimo de vaidade. Para ele, o importante era estar vestido. Depois de um certo tempo, vasculhando a loja, sentiu vontade de ir ao banheiro e, ao perguntar onde este ficava pra uma das vendedoras que o observava timidamente, irritou-se muito ao saber que teria que subir quatro andares para alcançar o seu objetivo.

O banheiro estava lá, mas ele não conseguia entrar, ele tentava parar de olhar, mas os seus olhos desobedeciam a sua vontade, queria falar alguma coisa, gritar, chorar, mas tudo isso parecera longe do seu alcance. Ela estava lá, parada, estática, fria, olhar arrebatador... A peça que faltava na sua vida aparecera como passe de mágica. Eduardo se sentiu estranho, afinal, achou que esse tipo de choque era incomum aos outros homens. Aproximou-se dela, sentiu o cheiro de Portinari que emanava das suas lindas vestes, fitou os seus olhos nos olhos dela, que pareciam de vidro. Também não resistiu aos seus lindos cachos castanhos, sedosos e brilhantes. A admirada nada disse, apenas o fitou friamente.
- Posso ajudá-lo, Sr?
A voz de outra vendedora o fez sair daquele lapso. Ele não disse nada, apenas riu.


Eduardo estava radiante, a peça era a '' coisa '' mais perfeita que poderia acontecer na sua vida. Tinha que trazer ela para sua casa, para a sua vida.
Em pouco tempo, o vendedor se tornou um dos principais fregueses de uma atendente ruiva, que adquiria um tom levemente suspeito, ao vender aquele monte de xuxas para ele -  o que é facilmente aceitável, uma vez que ele passava lá todos dias, com uma desculpa que estava dando xuxas de cabelo para suas freguesas.

A peça de Eduardo  estava sempre à sua espera, linda, cheirosa, bem vestida, estática e ...
Ele só não sabia a maneira correta de '' chegar'', isto é, chegar sem fazer alarde, sem causar constrangimento, o que ele sabia que era uma tarefa nada fácil.

Tempos depois, Eduardo tinha  decidido colocar o seu plano em ação, pois o seu coração já não suportava mais, queria estar com ela, abraçá-la, acariciá-la, sentir seu perfume, sussurrar palavras calientes no seus ouvidos. Depois de muita economia, presumiiu que já tinha a quantia certa para tirá-la de lá.
O sol estava descendo, e a loja já estava fechando, mas ele conseguiu chegar lá. A atendente ruiva bufou.
Dirigiu-se ao quarto andar e, para o seu espanto, ela já não estava mais lá, a moça dos olhos de vidro sumira assim como aparecera. Ele procurou, inutilmente, em todos os departamentos.
- O que vocês fizeram com ela? Onde ela está? Eu quero vê-la! Por favor! - choramingava desesperadamente.

Eduardo, apesar de perceber que havia várias peças como aquela, não se conformava. Meteu a cara na bebida e nunca mais entrou em outra loja. Nunca mais se apaixonaria por outra moça de olhos de vidro.

Tinha tomado a decisão correta, pois, logo que fora remanejada daquela loja, o manequim dos olhos de vidro tinha se resumido em um monte de plásticos semitriturados de uma inacabada usina de reciclagem.

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