26 de abril de 2010

Bandidos Legais

A Comunidade  das Orquídeas, mas conhecida como Pelo da Cobra, difere-se de todas as outras, apesar de também ser uma favela. Lá não existe esgoto a céu aberto, todas as casas possuem água encanada e rede elétrica dentro dos padrões aceitáveis. Todos pagam as suas contas de água, luz e telefone. Não há gatos para atrapalhar a diversão das crianças, que soltam pipas alegremente.

Lá, todos os moradores são honestos. Ladrões? Sequestradores? Assassinos? Não, não... Nessa comunidade todos os bandidos são legais.
Os becos dessa comunidade não são ocupados por adolescentes trabalhadores. Armas não são benvindas lá. Drogas? Só os bandidos legais possuem o direito a elas, e também são eles que determinam quem pode isso e quem pode aquilo.

Na delegacia dessa comunidade, o delegado dorme a maior parte do tempo, mesmo com dez camuflados assassinatos diários.
Não há moradores denunciando os bandidos legais, na verdade eles se interagem harmoniosamente.

Na maior escola desse bairro, o índice de presença é altíssimo. Um aluno não falta às aulas há mais de três meses. Nos intervalos, não sê jovens comendo uns aos outros, tampouco adolescentes exercitando o olfato. O que se vê são grupos discutindo temas importantes. Um destes, no meio do pátio, está discutindo sobre a posição do Brasil frente ao programa de expansão nuclear da Coréia do Norte. Outro, ao lado deste, está apoiando Barack Obama no programa de desarmamento do Irã. Noutro cantinho, um aluno, com olhos roxos excessivamente grandes, berra as suas criticas à política externa dos Estados Unidos. Outro critica eloquentemente o Programa de Aceleração do Crescimento, implantando pelo governo Lula.
Na diretoria, um bandido legal explica à diretora sobre como aproveitar e trabalhar o potencial intelecto dos alunos. Na quadra de esportes, outro bandido legal dá aulas de etiqueta para um grupo de esqueitistas.  Nessa mesma quadra, outro bandido explica para os fanáticos da educação física, sobre como ganhar massa corpórea sem ajuda dos anabolizantes.

O maior supermercado dessa região funciona vinte e quatro horas. Os lucros, no último trimestre, aumentaram consideravelmente, graças ao aumento do preço dos produtos ali comercializados, mas nenhum cliente reclamou.
Esse supermercado não sofre ação de vândalos há mais de três meses. Nenhum roubo. Assalto. Tiroteio.
O banco dessa comunidade também conseguiu essa proeza.
A linha de ônibus que opera nessa região também colhe os frutos da nova administração.
Os taxistas, farmacêuticos, perfumistas em geral também estão satisfeitos com a nova administração.

Na praça, tudo caminha sem nenhuma alteração. Uma senhora rola na grama com seu filho e seu pitbul manso. Um bandido legal vigia a praça, com armas invisíveis.
As ruas também são fortemente vigiadas. Não acontece um acidente há exatos três meses.

Certo dia, um benfeitor alemão foi visitar essa comunidade. Ao chegar, foi amparado por um bandido legal, que vigiava disfarçadamente o primeiro beco. O vigia ordenou, através de um celular, que algum poliglota descesse para cuidar do alemão, que viera em busca do segredo da harmonia daquele povo. Queria conhecer o meio social, político e econômico dos moradores.
Ficou feliz ao notar que jovens não ocupavam os becos.Também notou a perfeita rede elétrica, os encanamentos...Uma moradora, chamada pelo guia, sorriu para o gringo, que não soube explicar a si mesmo o porquê daquele sorriso tão vazio.
Depois de andar por quase todo aglomerado, perguntou pelo coordenator ou administracion daquele bairro. Em resposta, ouviu que ele teria o maior prazer em recebê-lo.
O alemão ficou ainda mais feliz. Tinha encontrado a tão sonhada Vila Ideal.

Chegando à casa do poderoso chefão, o gringo ficou boquiaberto. O humilde triplex era delimitado por cinco inacreditáveis metros de concreto. O quintal era maior que uma quadra de esporte. Ficou pensativo ao perceber um cheiro desagradável no ar, mas ficou mais pensativo ainda ao notar a quantidade de carros sucateados, pneus, monitores, rádios e outros artigos que se aglomeravam em um canto do pequeno quintal.

Essas anormalidades deixaram-no aflito. Ao atravessar o quintal, ficou pensando no que estaria atrás daquela grande porta de mogno, que dava acesso ao interior da casa.
Espantado, assim ficou o gringo depois de atravessar o portal. Não tinha bandidos portando armas russas de última geração.
Uma turma de homens bêbados sorriam alegremente para ele. O chefe ensaiou um Uelcame tup may  umble rome.
Tudo estava dando muito certo até o ponto em que o visitante notou, no canto atrás do chefe, várias mesas abarrotadas de telefones celulares, que exibiam etiquetas coladas na parte de trás, com nomes, como: farmácia, banco, supermercado, perfumista, jardim, delegacia, escola entre outros.

Notou o chefe piscar para o seu guia.
Tudo ficou claro. Nesse momento, ouviu barulho de pés descendo escadas. O guia, encarregado de cuidar dele, piscou para o chefe com um semblante fora do comum.

Uma mão forte e pesada veio de encontro a sua nuca. O benfeitor nada pode fazer, além de levar consigo, para o túmulo, o segredo daquela comunidade: os bandidos uniformizados que desceram nas escadas eram, de fato, bandidos legalmente legais.

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