A Comunidade das Orquídeas, mas conhecida como Pelo da Cobra, difere-se de todas as outras, apesar de também ser uma favela. Lá não existe esgoto a céu aberto, todas as casas possuem água encanada e rede elétrica dentro dos padrões aceitáveis. Todos pagam as suas contas de água, luz e telefone. Não há gatos para atrapalhar a diversão das crianças, que soltam pipas alegremente.
Lá, todos os moradores são honestos. Ladrões? Sequestradores? Assassinos? Não, não... Nessa comunidade todos os bandidos são legais.
Os becos dessa comunidade não são ocupados por adolescentes trabalhadores. Armas não são benvindas lá. Drogas? Só os bandidos legais possuem o direito a elas, e também são eles que determinam quem pode isso e quem pode aquilo.
Na delegacia dessa comunidade, o delegado dorme a maior parte do tempo, mesmo com dez camuflados assassinatos diários.
Não há moradores denunciando os bandidos legais, na verdade eles se interagem harmoniosamente.
Na maior escola desse bairro, o índice de presença é altíssimo. Um aluno não falta às aulas há mais de três meses. Nos intervalos, não sê jovens comendo uns aos outros, tampouco adolescentes exercitando o olfato. O que se vê são grupos discutindo temas importantes. Um destes, no meio do pátio, está discutindo sobre a posição do Brasil frente ao programa de expansão nuclear da Coréia do Norte. Outro, ao lado deste, está apoiando Barack Obama no programa de desarmamento do Irã. Noutro cantinho, um aluno, com olhos roxos excessivamente grandes, berra as suas criticas à política externa dos Estados Unidos. Outro critica eloquentemente o Programa de Aceleração do Crescimento, implantando pelo governo Lula.
Na diretoria, um bandido legal explica à diretora sobre como aproveitar e trabalhar o potencial intelecto dos alunos. Na quadra de esportes, outro bandido legal dá aulas de etiqueta para um grupo de esqueitistas. Nessa mesma quadra, outro bandido explica para os fanáticos da educação física, sobre como ganhar massa corpórea sem ajuda dos anabolizantes.
O maior supermercado dessa região funciona vinte e quatro horas. Os lucros, no último trimestre, aumentaram consideravelmente, graças ao aumento do preço dos produtos ali comercializados, mas nenhum cliente reclamou.
Esse supermercado não sofre ação de vândalos há mais de três meses. Nenhum roubo. Assalto. Tiroteio.
O banco dessa comunidade também conseguiu essa proeza.
A linha de ônibus que opera nessa região também colhe os frutos da nova administração.
Os taxistas, farmacêuticos, perfumistas em geral também estão satisfeitos com a nova administração.
Na praça, tudo caminha sem nenhuma alteração. Uma senhora rola na grama com seu filho e seu pitbul manso. Um bandido legal vigia a praça, com armas invisíveis.
As ruas também são fortemente vigiadas. Não acontece um acidente há exatos três meses.
Certo dia, um benfeitor alemão foi visitar essa comunidade. Ao chegar, foi amparado por um bandido legal, que vigiava disfarçadamente o primeiro beco. O vigia ordenou, através de um celular, que algum poliglota descesse para cuidar do alemão, que viera em busca do segredo da harmonia daquele povo. Queria conhecer o meio social, político e econômico dos moradores.
Ficou feliz ao notar que jovens não ocupavam os becos.Também notou a perfeita rede elétrica, os encanamentos...Uma moradora, chamada pelo guia, sorriu para o gringo, que não soube explicar a si mesmo o porquê daquele sorriso tão vazio.
Depois de andar por quase todo aglomerado, perguntou pelo coordenator ou administracion daquele bairro. Em resposta, ouviu que ele teria o maior prazer em recebê-lo.
O alemão ficou ainda mais feliz. Tinha encontrado a tão sonhada Vila Ideal.
Chegando à casa do poderoso chefão, o gringo ficou boquiaberto. O humilde triplex era delimitado por cinco inacreditáveis metros de concreto. O quintal era maior que uma quadra de esporte. Ficou pensativo ao perceber um cheiro desagradável no ar, mas ficou mais pensativo ainda ao notar a quantidade de carros sucateados, pneus, monitores, rádios e outros artigos que se aglomeravam em um canto do pequeno quintal.
Essas anormalidades deixaram-no aflito. Ao atravessar o quintal, ficou pensando no que estaria atrás daquela grande porta de mogno, que dava acesso ao interior da casa.
Espantado, assim ficou o gringo depois de atravessar o portal. Não tinha bandidos portando armas russas de última geração.
Uma turma de homens bêbados sorriam alegremente para ele. O chefe ensaiou um Uelcame tup may umble rome.
Tudo estava dando muito certo até o ponto em que o visitante notou, no canto atrás do chefe, várias mesas abarrotadas de telefones celulares, que exibiam etiquetas coladas na parte de trás, com nomes, como: farmácia, banco, supermercado, perfumista, jardim, delegacia, escola entre outros.
Notou o chefe piscar para o seu guia.
Tudo ficou claro. Nesse momento, ouviu barulho de pés descendo escadas. O guia, encarregado de cuidar dele, piscou para o chefe com um semblante fora do comum.
Uma mão forte e pesada veio de encontro a sua nuca. O benfeitor nada pode fazer, além de levar consigo, para o túmulo, o segredo daquela comunidade: os bandidos uniformizados que desceram nas escadas eram, de fato, bandidos legalmente legais.
26 de abril de 2010
21 de abril de 2010
Olhos de Vidro
Eduardo estava sentado na grama à beira de uma lagoa. O ar parecia ser palpável, o canto das andorinhas lembrava-lhe os assobios dos seus avós, os peixes pareciam estar atuando em uma perfeita peça teatral, os casais ao seu redor sentiam os corpos uns dos outros, em amassos arrepiantes, mas ele estava só. Sempe só. Não tinha pai, não tinha mãe, primos, tios, irmãos e muito menos namorada.
Eduardo tinha vinte e sete anos, pele morena, olhos negros como jaboticabas, boca extremamente carnuda, cabelos à rastafari, magro e era vendedor de jornal.
A vida de Eduardo era vista com muita pena pelos seus companheiros de trabalho, apesar dele nunca ter demonstrado algum momento de fraqueza. Pelo contrário, nos momentos de dificuldade, sempre manteve o alto astral. Nunca derramara uma lágrima por causa de qualquer problema.
Ultimamente, uma peça - como ele gostava de dizer - estava faltando no quebracabeça da sua vida: uma mulher. Queria se apaixonar perdidamente, ter filhos, amar...mas nenhuma leitora, que parava na sua banca, chamava-lhe a atenção. Isso tinha que mudar.
Na volta do trabalho, em um dia qualquer de janeiro, decidiu se arrumar e sair à ''caça''. Parou em frente a uma vitrine de uma loja de roupas, a fim de comprar alguma peça que lhe caísse bem. Nenhuma lhe interessou. Entrou em várias outras lojas, mas acabou voltando para a primeira. Decidiu entrar e observar as peças.
Eduardo, definitivamente não era sinônimo de vaidade. Para ele, o importante era estar vestido. Depois de um certo tempo, vasculhando a loja, sentiu vontade de ir ao banheiro e, ao perguntar onde este ficava pra uma das vendedoras que o observava timidamente, irritou-se muito ao saber que teria que subir quatro andares para alcançar o seu objetivo.
O banheiro estava lá, mas ele não conseguia entrar, ele tentava parar de olhar, mas os seus olhos desobedeciam a sua vontade, queria falar alguma coisa, gritar, chorar, mas tudo isso parecera longe do seu alcance. Ela estava lá, parada, estática, fria, olhar arrebatador... A peça que faltava na sua vida aparecera como passe de mágica. Eduardo se sentiu estranho, afinal, achou que esse tipo de choque era incomum aos outros homens. Aproximou-se dela, sentiu o cheiro de Portinari que emanava das suas lindas vestes, fitou os seus olhos nos olhos dela, que pareciam de vidro. Também não resistiu aos seus lindos cachos castanhos, sedosos e brilhantes. A admirada nada disse, apenas o fitou friamente.
- Posso ajudá-lo, Sr?
A voz de outra vendedora o fez sair daquele lapso. Ele não disse nada, apenas riu.
Eduardo estava radiante, a peça era a '' coisa '' mais perfeita que poderia acontecer na sua vida. Tinha que trazer ela para sua casa, para a sua vida.
Em pouco tempo, o vendedor se tornou um dos principais fregueses de uma atendente ruiva, que adquiria um tom levemente suspeito, ao vender aquele monte de xuxas para ele - o que é facilmente aceitável, uma vez que ele passava lá todos dias, com uma desculpa que estava dando xuxas de cabelo para suas freguesas.
A peça de Eduardo estava sempre à sua espera, linda, cheirosa, bem vestida, estática e ...
Ele só não sabia a maneira correta de '' chegar'', isto é, chegar sem fazer alarde, sem causar constrangimento, o que ele sabia que era uma tarefa nada fácil.
Tempos depois, Eduardo tinha decidido colocar o seu plano em ação, pois o seu coração já não suportava mais, queria estar com ela, abraçá-la, acariciá-la, sentir seu perfume, sussurrar palavras calientes no seus ouvidos. Depois de muita economia, presumiiu que já tinha a quantia certa para tirá-la de lá.
O sol estava descendo, e a loja já estava fechando, mas ele conseguiu chegar lá. A atendente ruiva bufou.
Dirigiu-se ao quarto andar e, para o seu espanto, ela já não estava mais lá, a moça dos olhos de vidro sumira assim como aparecera. Ele procurou, inutilmente, em todos os departamentos.
- O que vocês fizeram com ela? Onde ela está? Eu quero vê-la! Por favor! - choramingava desesperadamente.
Eduardo, apesar de perceber que havia várias peças como aquela, não se conformava. Meteu a cara na bebida e nunca mais entrou em outra loja. Nunca mais se apaixonaria por outra moça de olhos de vidro.
Tinha tomado a decisão correta, pois, logo que fora remanejada daquela loja, o manequim dos olhos de vidro tinha se resumido em um monte de plásticos semitriturados de uma inacabada usina de reciclagem.
Eduardo tinha vinte e sete anos, pele morena, olhos negros como jaboticabas, boca extremamente carnuda, cabelos à rastafari, magro e era vendedor de jornal.
A vida de Eduardo era vista com muita pena pelos seus companheiros de trabalho, apesar dele nunca ter demonstrado algum momento de fraqueza. Pelo contrário, nos momentos de dificuldade, sempre manteve o alto astral. Nunca derramara uma lágrima por causa de qualquer problema.
Ultimamente, uma peça - como ele gostava de dizer - estava faltando no quebracabeça da sua vida: uma mulher. Queria se apaixonar perdidamente, ter filhos, amar...mas nenhuma leitora, que parava na sua banca, chamava-lhe a atenção. Isso tinha que mudar.
Na volta do trabalho, em um dia qualquer de janeiro, decidiu se arrumar e sair à ''caça''. Parou em frente a uma vitrine de uma loja de roupas, a fim de comprar alguma peça que lhe caísse bem. Nenhuma lhe interessou. Entrou em várias outras lojas, mas acabou voltando para a primeira. Decidiu entrar e observar as peças.
Eduardo, definitivamente não era sinônimo de vaidade. Para ele, o importante era estar vestido. Depois de um certo tempo, vasculhando a loja, sentiu vontade de ir ao banheiro e, ao perguntar onde este ficava pra uma das vendedoras que o observava timidamente, irritou-se muito ao saber que teria que subir quatro andares para alcançar o seu objetivo.
O banheiro estava lá, mas ele não conseguia entrar, ele tentava parar de olhar, mas os seus olhos desobedeciam a sua vontade, queria falar alguma coisa, gritar, chorar, mas tudo isso parecera longe do seu alcance. Ela estava lá, parada, estática, fria, olhar arrebatador... A peça que faltava na sua vida aparecera como passe de mágica. Eduardo se sentiu estranho, afinal, achou que esse tipo de choque era incomum aos outros homens. Aproximou-se dela, sentiu o cheiro de Portinari que emanava das suas lindas vestes, fitou os seus olhos nos olhos dela, que pareciam de vidro. Também não resistiu aos seus lindos cachos castanhos, sedosos e brilhantes. A admirada nada disse, apenas o fitou friamente.
- Posso ajudá-lo, Sr?
A voz de outra vendedora o fez sair daquele lapso. Ele não disse nada, apenas riu.
Eduardo estava radiante, a peça era a '' coisa '' mais perfeita que poderia acontecer na sua vida. Tinha que trazer ela para sua casa, para a sua vida.
Em pouco tempo, o vendedor se tornou um dos principais fregueses de uma atendente ruiva, que adquiria um tom levemente suspeito, ao vender aquele monte de xuxas para ele - o que é facilmente aceitável, uma vez que ele passava lá todos dias, com uma desculpa que estava dando xuxas de cabelo para suas freguesas.
A peça de Eduardo estava sempre à sua espera, linda, cheirosa, bem vestida, estática e ...
Ele só não sabia a maneira correta de '' chegar'', isto é, chegar sem fazer alarde, sem causar constrangimento, o que ele sabia que era uma tarefa nada fácil.
Tempos depois, Eduardo tinha decidido colocar o seu plano em ação, pois o seu coração já não suportava mais, queria estar com ela, abraçá-la, acariciá-la, sentir seu perfume, sussurrar palavras calientes no seus ouvidos. Depois de muita economia, presumiiu que já tinha a quantia certa para tirá-la de lá.
O sol estava descendo, e a loja já estava fechando, mas ele conseguiu chegar lá. A atendente ruiva bufou.
Dirigiu-se ao quarto andar e, para o seu espanto, ela já não estava mais lá, a moça dos olhos de vidro sumira assim como aparecera. Ele procurou, inutilmente, em todos os departamentos.
- O que vocês fizeram com ela? Onde ela está? Eu quero vê-la! Por favor! - choramingava desesperadamente.
Eduardo, apesar de perceber que havia várias peças como aquela, não se conformava. Meteu a cara na bebida e nunca mais entrou em outra loja. Nunca mais se apaixonaria por outra moça de olhos de vidro.
Tinha tomado a decisão correta, pois, logo que fora remanejada daquela loja, o manequim dos olhos de vidro tinha se resumido em um monte de plásticos semitriturados de uma inacabada usina de reciclagem.
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