A paisagem era dominada por um tom branquíssimo, branco como a neve. As rochas eram alvas, contrastando com o mar parcialmente azulado daquela região e com um monumental castelo erguido às margens de um pequeno rio congelado.
Ele estava preso na sua própria sala. O enorme castelo que erguera, fruto de mais trinta anos de trabalho sujo, tornou-se a cela da qual o homem ranzinzo e magro, protagonista deste texto, tornara-se refém. A escuridão, cortada por várias fagulhas de luz, que irradiavam das fechaduras e brechas das portas e janelas, dominava o ambiente, emitindo uma energia fantasmagórica naquele recinto. O silêncio total daquele castelo denunciava, em vão, os acontecimentos que estavam acontecendo no seu interior, despertando a curiosidade de minúsculos seres luminosos.
Maurício caminhava, às apalpadelas, tentando sensibilizar os sensores nervosos que incansavelmente trabalhavam no seu tato, enquanto vozes raivosas consumiam a pouca esperança que ainda lhe restava.
Três homens robustos, com os rostos envolvidos por uma fina camada de um tecido cinza, trajando longas vestes brancas, apareceram na sua sala, evidenciando a facilidade que tinham de passar por portões de ferro maciço e mais de uma dúzia de câmeras sem serem denunciados. Uma dupla de cachorros latia ferozmente às sombras do seu dono. O rico solitário, ao notar a inquietude dos seus animais perspicazes, percebeu imediatamente que estava à mercê de um trio de criminosos. Percepção esta que não passou despercebida aos olhos febris dos seus visitantes.
Os gritos foram abafados por um pano umedecido com éter, os cachorros silenciados com várias emissões de energia elétrica provenientes de um velho projétil imobilizador. Um braço musculoso envolveu habilidosamente um pescoço fino e frágil.
O ar esvaiu-se dos pulmões do anfitrião, uma centelha de luzes pipocaram na minúscula abertura ocular que ainda lhe restava. Antes da escuridão total, os sensores auditivos captaram uma mensagem enigmática: ''o prisioneiro está sempre à mercê do seu próprio medo''. Então tudo se anuviou.
O vento era gélido e cortante, dando-lhe uma sensação de inúmeras agulhas perfurando a sua carne dura.
A escuridão imperava aquele ambiente. Mauricio despertara, sentindo uma dor dilacerante na sua carne, o ar parecia pouco em seus os pulmões cansados, que trabalhavam avidamente, em uma posição, no mínimo, desconfortável.
Estava suspenso por uma corda amarrada em volta do seu corpo. O primeiro instinto veio da boca, mas os gritos perdiam-se pela escuridão. Tentou focalizar seus dedos próximos da face, quando se deu conta que já deveria estar com as pupilas hiperdilatadas, mas não enxergou nada.
O vento balançava o seu corpo para os dois lados, produzindo um efeito badalado no seu estômago.
A sensação de medo voltou, demonstrando a sua força e a sua magnitude. Tudo estava perdido.
- Alguém achou engraçado me sequestrar e pendurar nessa coisa aqui, que brincadeira mais infantil! – Esbravejou.
Uma voz suave soprava no seu ouvido, dizendo que tudo ali era mais real do que ele imaginava. O instinto de vida denunciava o perigo iminente.
Uivos e latidos tornaram-se audíveis e, à medida que os seus emissores se aproximavam, ficavam mais altos. ‘’Lobos da meia-noite! Estou perdido’’.
Tentou, em vão, se desvencilhar daquela arapuca, até perceber que algo parecido como uma cinta rodeva o seu corpo, emitindo barulhos metálicos. Tateou o seu corpo à procura de algum objeto metálico. Encontrou um revólver, uma faca e vários pedaços de alguma coisa esponjosa, que mais tarde revelaram-se como doces. Estavam acoplados em um bolso lateral daquela cinta. Instintivamente levou a mão ao revólver, tentando equilibrá-lo em sua pele gelada e escorregadia.
Barulhos de tiros ecoaram no ar, indo atuar em várias direções ocultas. Um uivo de dor ao longe, um gemido agudo cortou o ar, dando ar de vitória ao combatente. Então o silêncio voltou a imperar, tendo o vento como o seu auxiliar. Maurício pensava e falava, mas o medo engolia a sua esperança. Subitamente uma ideia lhe ocorreu:
- ‘’Vou comer esses doces, isso vai manter a energia necessária para o meu metabolismo. Vou ficar balançando aqui até o amanhecer. Algum empregado já sentiu a minha falta. Tudo o que eu tenho que fazer é ficar quietinho, mas... E SE EU CORTASSE A CORDA? Não, é muito arriscado. Pode ter mais lobos embrenhados por aí. Vou ficar aqui mesmo.
No dia seguinte, não se falava em outra coisa, vários televisores estampavam a imagem de um helicóptero, que filmava uma estação de esqui lotada de olhares incrédulos. Uma imagem aterrorizante destacava-se das outras: a menos de um metro do chão, um corpo congelado jazia suspenso por uma corda, rodeado por dois cachorros de olhos azuis mortos. O semblante do cadáver transmitia um olhar de medo e pavor, que eram nítidos em sua face cortada pelo vento.
Acima do corpo, uma faixa caprichosamente confeccionada chamava a atenção do público. Com uma escrita caprichada, lia-se a seguinte frase:
‘’Você pode ter muitos inimigos, mas o maior deles mora dentro de você’’.
P.S
Baseado em contos populares.